Em jeito de enquadramento, a autora descreve a ideologia racial do nazismo e como foi praticada desde que a Adolf Hitler ascendeu ao poder. Se a escalada antissemita se tornou uma realidade na fase ascendente do nazismo, é a partir do momento em que se ocupou a Polónia, e mais tarde a Bielorrússia, Ucrânia e uma parte da Rússia que levou a uma mudança drástica no conceito da Solução Final, o extermínio do povo judeu. A autora compendia os dados mais salientes da execução desse plano que levou à matança de cerca de 6 milhões de judeus, número horrível que só será superado pelo de 14 milhões que terá sido o número de vítimas da matança perpetrada pelas paranoias de Hitler e Estaline nas chamadas terras sangrentas onde se incluem a Polónia, os países Bálticos, a Bielorrússia, a Ucrânia e a parte da Rússia que esteve sob a bota nazi.É facto que a partir de junho de 1940 um conjunto de personalidades de renome mundial passou por Portugal a caminho de outras paragens, reis, políticos, escritores, cientistas, músicos. Mas os judeus de origem portuguesa muito cedo encaminharam-se para Portugal. A autora regista os casos da família Cassuto, a família de Ruth Arons e Nella Maissa, recorda as instituições judaicas que procuravam mitigar o sofrimento dos refugiados bem como a ação de vigilância da polícia política. E com esta moldura que ajuda a compreender melhor o drama dos judeus refugiados em Portugal, a autora oferece-nos um estudo sobre os portugueses em Amesterdão, ficamos a conhecer a comunidade portuguesa e como quase todos eles, mesmo invocando a sua origem portuguesa, foram assassinados nos campos de concentração. Como escreve a autora, a quase totalidade da comunidade dos judeus de origem portuguesa na Holanda (4 mil homens, mulheres e crianças) pereceram no Holocausto e eram descendentes dos antigos judeus que se refugiaram em Amesterdão em finais do século XVI. Tratava-se de uma comunidade que gozava de uma vitalidade excecional que vivia arreigada aos valores tradicionais judaicos. Basta recordar que em 1675 foi inaugurada a famosa sinagoga que se tornou no símbolo da idade de ouro do judaísmo sefardita na Holanda, como se escreve: “Situada em pleno coração do bairro judaico, a iniciativa da sua edificação coube ao rabino Aboab da Fonseca, nascido em Castro Daire de uma família de cristãos-novos e batizado com o nome de Simão da Fonseca. O rabino Aboab juntou a si um comité de fundadores cujos nomes indicam claramente a sua origem portuguesa: Isaac de Pinto, Samuel Vaz, David Salom de Azevedo, Abraham de Veiga, Jacob Aboab Osório, Jacob Israel Pereyra e Isaac Henriques Coutinho”. Durante a guerra a sinagoga foi saqueada. Durante a ocupação nazi, as autoridades judaicas procuraram adiar a deportação de judeus de origem portuguesa, em vão. Paralelamente à destruição da vida, também os ocupantes fizeram tudo para aniquilar as instituições da comunidade religiosa. Devido a um legalismo inflexível, Salazar não deu ouvidos aos rogos das autoridades judaicas.
Passando para outro ponto geográfico, a autora recorda a importância da comunidade judaica de Salónica, um dos centros judaicos mais importantes do mundo: “Os fugitivos de Espanha e Portugal trouxeram consigo uma brilhante cultura intelectual, o espírito de iniciativa, o gosto do risco, um sólido conhecimento técnico e a sua rede de relações ligando países e continentes. Portugueses ilustres como Amato Lusitano, Joseph Caro, Gracia e Joseph Nasi, deixaram a sua marca em Salónica, contribuindo para a sua prosperidade, nas ciências, na literatura, na tipografia, no comércio e na indústria. No início do século XX, cerca de 80 mil judeus povoam a cidade”. No início da I República, autoridades diplomáticas portuguesas em Istambul e Salónica emitiram certificados provisórios de inscrição consular portuguesa a cerca de 400 famílias judaicas. O regime de Salazar não acolheu bem e sempre suspeitou da legalidade desta nacionalidade. Com a ocupação da Grécia, os nazis iniciaram a deportação em massa, os judeus clamaram pelos seus direitos mas Salazar proibiu a revalidação dos passaportes e certificados de nacionalidade portuguesa. São acontecimentos sombrios em que detentores de nacionalidade portuguesa irão ser assassinados em campos de concentração.
A investigação transfere-se depois para os judeus registados nos consulados portugueses, em França, destaca-se o comportamento de José Brito Mendes pela sua coragem a salvar vidas e registam-se os nomes de militantes de esquerda portugueses que irão ser executados pelos seus ideais. Impressionante é voltarmos a ler o que se passou na tragédia húngara, nomeadamente em 1944. A autora refere o comportamento nobre de diplomatas como Sampaio Garrido que correndo todos os riscos protegeram judeus e não judeus das perseguições políticas e raciais. Ao contrário de Aristides Sousa Mendes nem Teixeira Branquinho nem Sampaio Garrido foram vítimas de Salazar pela sua generosidade em querer defender a vida de vítimas inocentes.Trata-se de um levantamento meritório, a autora reuniu dados importantes sobre descendentes de portugueses que acabaram nas câmaras de gás, temos aqui um bom inventário de coragem e humanismo envolvendo diplomatas e mesmo a infanta Maria Adelaide de Bragança. Mais uma obra que contribui para a clarificação do acolhimento dos refugiados, da diplomacia portuguesa e de embaixadores e cônsules que não hesitaram no heroísmo anónimo, ficamos com uma ideia mais nítida de como a espiral devoradora do nazismo atingiu ancestrais e portugueses que eram judeus.